ENTRECADEIRAS: ENSAIO NO CORREDOR

















A todo momento
O corpo se ajusta.
Mil cadeiras imbricadas.
Um respiro aqui, outro ali:
O espaço da instabilidade.
Um som possível...
O apoio, o pé, o monte,
O desastre, o encaixe.
A percepção:
Eutudo.
Segura e testa!
Suspende
O centro.
Desloca
O peso,
A perna.
O foco.
A mão alcança,
A garra agarra,
O bíceps contrai.
A pele, o suor.
O cansaço repousa.
Eu
Lento
Sento
Disforme.
Ego-centro:
Estável-instável.
(Sandra Corradini)


Corpo-Câmera olhar adentro. Como se o corpo estivesse se infiltrando nas cadeiras. Perspectivas do olhar, olhar que penetra, que se funde, que é participante ativo mas sem ser visto, ou quase. A câmera-andante-dançante. O corpo-olhar que está dentro do fazer, suas manobras, seu exercício, aproximando, adentrando e desaproximando do imprevisto visto. Adaptações? Cuidado? Atenção? Olhar sempre presente? Instabilidade do corpo, como pisar, onde pisar. E se o olho fechar?
(Drica Rocha)

ENTRECORPOS: ESTUDO PARA COFFE BREAK, UFES

ENTRECORPOS: O CORPO NA FRONTEIRA ENTRE DANÇA E PERFORMANCE













RESUMO

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo discutir aspectos concernentes à obra Entrecorpos, ação intervencionista que propõe a investigação do corpo na fronteira dança/performance com interesse em questionar padrões de comportamento estáveis, problematizando-os na esfera relacional em espaços coletivos. Seu propósito circunscreve-se à necessidade de refletir a dança na contemporaneidade, em especial, de pensar corpo, espaço e espectador como partes co-dependentes e implicadas na obra de dança. Concebe-se a obra como objeto sensível tanto à presença do espectador, como ao espaço em que é realizada, devendo ser elaborada com enfoque na relação corpo-ambiente construindo-se continuamente, de modo a constituí-la porosa e permeável à fisicalidade do espaço e àqueles que nele circulam.
Uma questão bastante atual, os diálogos entre dança e artes plásticas, muito presentes no campo da dança, instalam-se na chamada fronteira, conhecida zona de conflitos, da qual emergem discussões, idéias e criações, incidindo em novas configurações, delineando novos contornos territoriais à dança. Discutir as relações dança/performance torna-se relevante diante da necessidade de refletir acerca de ações intervencionistas inscritas no campo da dança. Sob o foco do corpo-em-arte, o corpo requer treinamento adequado para ser lançado em experiência de liminaridade, induzindo-lhe fissuras que viabilizem novos agenciamentos, o que vem caracterizar o estado performático do corpo, fazendo da ação um acontecimento.


METODOLOGIA


De caráter interdisciplinar, a metodologia objetiva articular e i
ntegrar saberes e processos investigativos, visando a síntese no âmbito artístico da dança. Elaborada de acordo com o estabelecimento de eixos norteadores da pesquisa, a metodologia parte de uma pesquisa preliminar acerca dos estudos da performance, de Victor Turner e Richard Schechner, e da poética do corpo-em-arte, de Renato Ferracini (Lume Teatro), em busca de viabilizar instrumentalização conceitual para as investigações práticas em campo metodológico, tanto para a construção da obra, como para o treinamento corpóreo do atuador/bailarino. Diante da proposta da obra e de sua condição efêmera articulada à transitoriedade de ambiências, incidindo sobre sua configuração, a metodologia considera as especificidades de cada espaço em que a obra é realizada, enfoca o planejamento e a investigação à priori e in loco e investe na elaboração de matrizes corpóreas, conjunto de células-fonte de ações/movimentos pré-selecionados e codificados, visando a improvisação e a recriação em tempo real. Em contínuo processo investigativo, a obra, ainda em repertório, mantém-se condicionada a uma metodologia que se estende para além dos limites da sala de ensaio, inter-relacionando treinamento técnico-criativo, construção e execução da obra, implicando na necessidade de ser constantemente vivenciada, atualizada e reavaliada em seu plano conceitual e/ou metodológico e, se for o caso, reformulada em vista dos objetivos almejados.


RESULTADOS

Os resultados obtidos até o momento reiteram o caráter investigativo e experiencial da obra, tratando-se de uma ação presencial que se efetiva in loco e nas relações corpo-em-arte/espectador, corpos/ambiente, obra/espectador. Ressalta-se a co-dependência e a implicação entre corpo-em-arte, espaço e espectador, incidindo sobre a corporeidade do atuador/bailarino, sobre a configuração da obra e, sobretudo, na criação de zonas de turbulência, campos de tensão gerados pela energia produzida nas relações entre os elementos estruturais da ação. Observa-se a impossibilidade de reprodução deste momento em sala de ensaio, elevando-se a necessidade da obra estar sendo constantemente vivenciada, favorecendo seu processo de expansão e de detalhamento, bem como o aumento de sua estabilidade estrutural, que se afirma na medida em que é experienciada. Da mesma forma, observam-se os referenciais de pesquisa e os procedimentos metodológicos ganharem maior solidez por serem constantemente testados e validados. Enfatiza-se a importância de um treinamento específico voltado às particularidades da obra, centrado na atuação performativa do corpo, enfocando macro/micro-percepção, sensação e memória corporais, ampliação de vivência e agenciamento de sentidos. O estado liminar permeia o corpo-em-arte, que se move entre polaridades no processo de recriação da ação/movimento. A observação de padrões de comportamento é princípio metodológico, oferecendo elementos para criação.


CONCLUSÃO

A dança, arte do corpo, desde sua origem inscreve-se em cruzamentos híbridos e ao longo de seu processo evolutivo vem apresentando seus limites territoriais delinearem-se com novos contornos e relevos a partir dos diálogos estabelecidos com diferentes linguagens artísticas e campos do conhecimento. Zonas de passagem, de transição, de confluência... O que se observa é a sua complexificação e aumento de sua especificidade decorrente da busca pela sutilização do corpo inerente aos processos que conduzem às suas configurações. Esta pesquisa artística, inscrita no campo da dança, na fronteira dança/performance, focaliza corpo, espaço e espectador para preocupar-se com as inter-relações entre tais elementos e encontra o tempo potencializado no corpo, no movimento, na recriação e no devir, revelado no processo de elaboração da obra, nos procedimentos metodológicos realizados a partir de modos particulares de pensar e de fazer arte, próprios de um corpo que dança. O corpo, treinado para ser lançado em território cênico, na liminaridade dança-performance, um corpo expandido, em estado extra-cotidiano, um corpo-em-arte, deve se mover numa dança macro/micro-perceptiva e com ela restaurar o espaço-físico, atualizando e resignificando seus elementos através da recriação do movimento, e ao mesmo tempo, numa dança-ação extraordinária, irromper o cotidiano, causar estranhamento e deslocar o espectador do lugar de mero observador para participante na construção da obra, tornando-o co-autor.

Palavras-chave: Dança; performance; intervenção urbana.

(Sandra Corradini)

Trabalho selecionado para a Mostra Ciência e Tecnologia da 6ª Bienal de Arte e Cultura da UNE - 2009.
Foto: Luciana Rodrigues.
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